sexta-feira, 10 de setembro de 2010

Dos comentários práticos.

Inspirado pelo comentário de um amigo, decidi-me por escrever, apenas a título de exercício e sem nenhuma maior pretensão, um pequeno compêndio de ordem prática sobre aquilo que aprendi nos poucos anos de minha vida. Algumas das sugestões nem eu mesmo sigo, mesmo assim minha consciência obriga-me a enunciá-las.

Medite todos os dias. Pratique esportes duas vezes por semana. Não coma carne. Se possível transe duas vezes por semana. Use camisinha. Escute boas músicas. Leia bons livros; mas leia de forma a sobrar tempo para pensar sobre o que leu e sobre o que não leu também. Quem lê demais tem tempo de menos para pensar. Duvide do que leu, duvide de tudo, até de Deus, principalmente de Deus. Prefira lamber os pés de um mendigo a beijar as mãos do Papa, essas sim estão sujas.
Estude um pouco de matemática – faz bem para o cérebro. Lembre-se de colocar as unidades nas respostas das provas de física e de colocar uma flechinha para representar vetor – pode lhe salvar pontos vitais no fim do semestre. Lembre-se de que o inverso da resistência equivalente de uma associação de resistências em paralelo é o somatório do inverso das resistências associadas. Se não souber deduzir isso, recite como se fosse um mantra.
Fumar maconha uma vez não vicia, nem mata. Fazer sexo uma vez, normalmente, não vicia, mas pode matar. Então use camisinha. Não tenha vergonha dos seus desejos. Não tenha medo de suas fantasias: as melhores histórias começam com o morder da maçã.
Se vir uma andorinha, não se precipite, fique de casaco, ainda não é verão. Se vir um moinho funcionando, já sabe que aquelas águas não são passadas. Se gosta da juventude, fique perto da bossa, ela é sempre nova.
Não sinta vergonha de ser brasileiro. Quando a política, a economia, a sociedade toda te sufoca, lembre-se disso: Chico Buarque , Tom Jobim, Villa Lobos, Leila Pinheiro, João Gilberto, João Bosco, Vinícius de Moraes, Machado de Assis, Mário Quintana, Clarice Lispector (embora tenha nascido na Ucrânia), Érico Veríssimo, Elis Regina, entre tantos outros, são brasileiros. Orgulhe-se disso. Celebre isso.
E quando a morte chegar? Daí já não sei. Ainda não morri. Mas prometo que se houver algum tipo de vida após a morte, esforçar-me-ei, ao máximo, par vir do outro plano e dar alguma sugestão de como proceder. Pode ser que eu não consiga; mas, bem, você precisa fazer algo por si mesmo de vez em quando. Depois de todos esses conselhos que dei, encontrar o paraíso fica mais fácil do que peidar dormindo.

sexta-feira, 3 de setembro de 2010

Tolices

Quantas mortes cabem em uma vida? Há quem diga que cada expiração é uma morte. Talvez. Amei pessoas que não conheço mais. Tive amigos com que não converso mais. Admirei paisagens que não vejo mais.
Cada perda, cada separação é uma morte. Já velei muitos mortos nas noites do meu coração. E que noites escuras! Noites frias, chuvosas. Sopram ventos fortes nos campos de minha alma. E é nessa escuridão que nasce a Lua - brilhante,esplendorosa, senhora de seu céu. As nuvens abrem espaço para sua luz e as etrelas, admiradas, curvam-se em respeitosa prostração. Mas a Lua também morre, calada, sufocada, no poente.
Quantas mortes cabem em uma vida? Nenhuma morte cabe em uma vida. A Lua não nasce nem morre. Nem o fazem as pessoas. Tudo está em constante mutação. O Universo se faz de um grande fluxo: um fluxo de peoesia, de melodia, de fantasia. A morte criamos nós, os tolos, baseados nas parcas observações de nossa limitada consciência.
Não somos a mesma pessoa um momento se quer, morremos inúmeras vezes em uma só expiração. Somos apegados a um conceito falso que criamos de nós mesmos, de nossos relacionamentos, de nossas realidades. Quando nossa ilusão dissocia-se tanto do que acontece ao nosso redor - nosso sistema de mundo desaba. Então sofremos. Tolice pura.

quarta-feira, 25 de agosto de 2010

Era apenas um menino de três corações.

Foi depois de muito esperar, e apenas após participar de muitos projetos experimentais, que Joana percebeu estar grávida. Ela e seu marido, finalmente, completavam um dos seus mais profundos desejos – ter uma criança. Entretanto, já nos primeiros exames médicos, foi constatado que o embrião possuía uma estranha anomalia – algo jamais visto na espécie humana e quiçá em qualquer outra espécie animal - e que ,certamente, levaria à morte do feto. Provavelmente, devido aos tratamentos experimentais aos quais a mãe se submetera, o feto havia sido formado com três corações. Não existiam evidências na literatura médica de que isso já houvesse acontecido, então os médicos não estavam certos das verdadeiras consequências da anomalia; mas concordavam com o fato de que certamente a criança não sobreviveria.
Joana resolveu contrariar todas as recomendações, seguindo com a gravidez. Afinal, aquele era o filho por que tanto esperara, o acompanharia até as últimas consequências. E foi, talvez, pelo grande zelo da mãe, por seu carinho e dedicação, que nasceu Joaquim. E, ao contrário do que todos os médicos esperavam, o pequeno rapaz não apresentava nenhuma debilidade. Quem não soubesse do fato, jamais imaginaria o que havia no peito do jovem menino.
O tempo foi passando e, apenas quando Joaquim entrou na pré-adolescência, surgiram os primeiros sintomas. Mas não foram sintomas médicos propriamente. Acontecia que toda vez que Joaquim se apaixonava, não se apaixonava por uma só garota, mas sempre por três de uma só vez. E o pior, quando sofria de amor, sofria três vezes mais. Por isso, evitava se apaixonar, pois mesmo se namorasse uma das meninas, ainda sofreria pelos outros dois amores que não poderia ter.
E quem não sabia do problema congênito do rapaz, ouvia fascinado os seus discursos embriagados já na época de faculdade : “ E por que amar uma só pessoa? E por que ser amado por uma só pessoa? Amo três mulheres de uma só vez. E nenhum amor é menor que o outro. Amo todas com todo o meu coração. Três amores inteiros não valem mais do que um amor pela metade? Quantas pessoas não juram um amor eterno, que deixam ser consumido pela falta de fantasia, de alegria, de carinho, de imaginação? Amar deveria ser verbo intransitivo. Ama-se apenas. Não se precisa amar alguém. Façamos do amor um estado de ser. Não importa a quem amamos, ou quantas pessoas amamos. Apenas amemos e sejamos contentes. Sem prisões, sem máscaras, sem jogos. E se quisermos escolher um companheiro ou companheira para vida, façamos também. Mas façamos com alegria, com magia, com tesão. Que priorizemos o amor aos princípios, e prefiramos a felicidade à moral. Sejamos amantes muito mais do que hipócritas.”
E foi nesses mesmos tempos de faculdade que Joaquim encontrou o amor de sua vida, ou melhor, os amores de sua vida: Gérbera, Rosa e Margarida. As três eram colegas de Joaquim em aulas diferentes e, pelo que o jovem sabia, não se conheciam. Joaquim amava tanto aquelas três mulheres e acreditava tanto na verdade de seu amor, que resolveu correr o risco de namorá-las ao mesmo tempo. E nessa época, foi o homem mais feliz do mundo. Três vezes mais feliz do que qualquer outro homem cujo amor é correspondido. Mas a felicidade de Joaquim, além de intensa, foi rápida. As três moças descobriram o que Joaquim fazia enquanto supostamente estaria ajudando a mãe em alguma tarefa doméstica ou o pai no seu trabalho. Não sabiam dos três corações de Joaquim e, por isso, julgavam-no um grande traidor. A dor das separações foi terrível, e Joaquim sofreu três vezes mais do que qualquer homem já sofreu ao perder a mulher amada. Tanta foi a sua dor que Joaquim, totalmente atordoado, decidiu-se por tomar um atitude drástica: com dois golpes certeiros, esfaqueou dois de seus corações. Assim, com a ajuda do acaso, escolhia apenas uma mulher para amar.
As três moças ao saber do acontecido, ficaram comovidas pela história do namorado e pelo bravio ato de amor. Correram ao hospital para saber, enfim, quem teria a sorte de ficar com tão apaixonado rapaz. Joaquim recém tinha acordado, quando percebeu a companhia das três. A primeira que viu foi Gérbera, ela era linda; mas definitivamente não sentia mais nenhum amor por ela. Virou-se um pouco e deparou-se com Rosa. Olhava-a intensamente, mas nada sentia. Margarida já deixava escorrer uma lágrima, quando Joaquim a reconheceu. Não sabia o que estava acontecendo. Por mais que se esforçasse, também nada sentia por Margarida.
Foi depois de muitos debates e estudos que os médicos finalmente entenderam a situação. Pelo que tudo indica, um dos corações esfaqueados era, na verdade, bígamo. E o que restara no peito de Joaquim era justamente o que ainda não tinha sido cativado.

sábado, 7 de agosto de 2010

O momento derradeiro

Observavam calados. Fora tão breve sua existência, mas também tão bela. Mesmo nos momentos finais, mostrava-se pulsante. Olhavam serenos, num sentimento de respeito e de admiração. Era, de fato, lindo o espetáculo que se ensaiava em sua frente. E foi neste momento que um dos homens que descansava na beira-mar perguntou-se: “E se a onda, no momento em que estivesse quebrando tivesse consciência desse fato. Teria ela medo de tornar-se oceano?”. Ouvia-se apenas o barulho das ondas quebrando, e a brisa do mar refrescava e rejuvenescia a todos que a encontravam. O homem continuou: “A onda nunca deixara de ser oceano. Apenas nós a reconhecemos como algo individual, separável, que denominamos onda. Mas ela sempre fora oceano. Enquanto objeto individual, fora efêmera, bravia, mutável. Enquanto oceano, sempre o fora e sempre o será. As ondas são manifestações do todo que chamamos oceano. Elas nascem, crescem e morrem. Elas compõem o oceano e por ele são compostas. Elas afetam o oceano e por ele são afetadas. Existem enquanto designação nossa, mas nunca existiram sozinhas. Por que então temeriam elas voltar a ser oceano? Talvez porque a consciência de sua existência seja tão magnífica que as tenha cegado para o fato de que são parte de algo muito maior – que são compostas por algo que elas também compõem.”
E fora em uma das galáxias deste Universo, num pequeno planeta de um sistema solar qualquer, que manifestações da realidade, ondas no oceano, tomaram conta de sua própria existência. Elas faziam parte de um complexo e pulsante sistema chamado Universo. Faziam parte da história desse todo e também ajudavam a escrevê-la. Eram afetadas por ele e também o afetavam. E esses seres, organizaram-se em sociedades que eles próprios afetavam e pelas quais eram afetados. Participavam ativamente do rico e brilhante espetáculo da natureza. Mas essa consciência os cegou para a existência dessa teia de interações, de interdependência, de múltiplas relações de causa e efeito. Por isso, passaram a se enxergar como independente do resto, como seres isolados. E, logo, começaram a sentir medo daquilo que lhes seria sempre inevitável: a morte. Enquanto seres, indivíduos, eles morreriam, mas enquanto Universo eles sempre fariam parte do todo. Assim como as ondas deixam de ser ondas, mas nunca deixam de ser oceano. A onda pode se entender e se sentir onda, e talvez ela sempre se sinta mesmo depois de quebrar, mas ela não pode nunca perder de vista que também é oceano.
Ninguém pode dizer, ao certo, o que acontece quando morremos. Talvez continuemos nos entendendo como um ser, com nossa própria consciência e com nossos próprios desejos. Talvez não. No fundo, acredito que não importa. Deveríamos nos esforçar para nos vermos enquanto parte do oceano, enquanto partes desse maravilhoso e complexo sistema chamado Universo. Abramos os olhos para a interdependência que existe entre todas as coisas. E a morte? Não a temamos. Compreendemo-la como parte essencial da nossa própria história, e se conseguirmos, até brindemos a sua chegada. A morte, de certa forma, é o que nos faz vivos. As ondas não poderiam ficar imóveis, paradas, existindo para sempre. Elas precisam quebrar para que novas ondas surjam também.
E foi contemplando o mar, enquanto o Sol surgia no horizonte, que aqueles homens se regozijavam com a presença de todo o Universo.

terça-feira, 3 de agosto de 2010

Sidarta

Inspirado no livro Sidarta de Hermann Hesse.

Enfim, deparava-se com a imensidão luminosa do caminho. Seu peito já não tinha mais mágoas, nem rancores, nem tristezas. Seu olhar contemplava a infinitude do céu que se abria no horizonte e a pequenez delicada das flores coloridas que o cercavam. Seu olhar era terno, quieto, lúcido. Via cada passo, cada pegada, cada marca que deixara não só pelas estradas por que trilhara, mas em cada pessoa, qualquer outro transeunte que um dia cruzara-lhe a jornada.
Já não mais havia mentira, nem ilusão, nem fantasia. A realidade também lhe fugia e se mesclava silenciosamente com os seus mais profundos e secretos sonhos, criando uma miríade de sensações e experiências. Já não mais se perdia em respostas desesperadas a perguntas não menos enganosas pela maneira como eram formuladas. Já não mais formulava perguntas, pois desistira de todas as respostas. Em cada afirmação reside um fracasso; pois nela falta a completude do todo, a complexidade das duas partes. Já não era santo, nem pecador, nem estava certo ou errado, nem era iluminado ou confuso. Transcendera as limitações equívocas do conceito.
O caminho que se lhe abria, conduzia aonde ele? Não, ele não conduzia a lugar nenhum. A magia do caminho não era aonde levava, mas simplesmente estar no caminho, trilhá-lo. E esse caminho se confundia com tantos outros, não era um caminho único, se quer era um caminho. Mostrava-se mais como uma imensa e fabulosa rede de interdependência e cooperação.
No fim, não havia caminho. Não havia verdade. Nem uma busca havia mais. Morte e vida, bem e mal, tudo era transcendido pela beleza do silêncio cálido e tranquilo de seu olhar.